sexta-feira, julho 31, 2009

A crise no transporte

Publicado em 21/07/2009 | Lafaiete Neves


Há uma crise instalada no sistema de transporte coletivo de Curitiba, como revelou matéria publicada pela Gazeta do Povo em junho. Nela se demonstra que a Urbs está sem caixa para pagar pelos serviços prestados pelas empresas de ônibus. Para cobrir o déficit de caixa, a Urbs tem usado os recursos do Imposto sobre Serviços (ISS) que deveria ser recolhido pelas empresas de ônibus. O montante devolvido para as empresas, revelando a prática de subsídio por parte do poder público municipal, atinge o valor de R$ 4 milhões, no período de janeiro a abril de 2009. A causa alegada para o prejuízo é a queda no número de usuários do sistema de transporte coletivo, que teria deixado de vender, nos últimos quatro meses, um total de 2.642.603 passagens.

Os diretores da Urbs se dizem surpresos com a queda do número de passageiros, tendo em vista a previsão feita pelo próprio órgão de que deveria, em 2009, ocorrer um aumento de demanda da ordem de 8,5%. Tentam ainda justificar o não recolhimento do ISS das empresas como uma prática que não caracteriza subsídio, já que se está colocando di­­­nheiro da área na própria área. É subsídio sim, pois, se o sistema está com déficit operacional e a prefeitura cobre com recursos públicos, é puro subsídio. E com um agravante: por ser recurso, que não está sendo recolhido aos cofres públicos, fará falta no orçamento para cobrir as políticas públicas do município, como as de saúde, educação e habitação, entre outras, o que pode afetar a qualidade desses serviços.

É difícil acreditar no fator surpresa manifestado por diretores da Urbs, quando há muito tempo ela mesma e o Dieese vêm apontando queda na demanda do transporte coletivo da capital em decorrência do elevado aumento da tarifa de R$ 1,90 para R$ 2,20.

A recente pesquisa feita pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e publicada pela Gazeta do Povo demonstra que está mudando o hábito dos usuários do transporte coletivo de Curitiba. Eles estão andando a pé, pela falta de renda, ou trocando o ônibus por bicicleta ou carro particular, que são dois meios de transporte bem mais econômicos diante do preço elevado da tarifa. Esse fato é que tem levado o sistema a operar no vermelho há bastante tempo.

A solução para essa crise não está no aumento do preço da tarifa de R$ 2,20 para R$ 2,27 para a volta do equilíbrio financeiro do sistema. Se tal medida for adotada, só vai aprofundar a crise. Logo a solução está em diminuir o preço da tarifa para aumentar o número de passageiros transportados.

Curitiba mantém hoje um sistema de receita pública que vem da década de 80, que se justificou naquela época para se ter acesso à “caixa-preta” das empresas e saber de fato os custos reais e, assim, a Urbs construir planilhas de custos e arbitrar o preço das passagens, passando a gerir com eficiência o sistema. A partir dos anos 90, a administração pública municipal manteve os decretos 44 e 45 de janeiro de 1987 e desativou o Conselho Municipal de Transportes, que tinha participação das associações de bairros representando os usuários e do Dieese como órgão técnico.

No atual Conselho Municipal de Transportes não há mais a participação desses dois grupos, logo os usuários não têm nenhum órgão técnico para questionar a planilha de custos, que é aplicada sem qualquer discussão. Tal modificação fragilizou a própria municipalidade no enfrentamento com os empresários na discussão da tarifa. Por receberem por quilômetro rodado tenha ou não passageiros, os empresários não têm preocupação com o valor da tarifa. Deve-se pensar no retorno ao sistema anterior de concessão e acabar com o sistema de pagamento por quilômetro rodado, levando os empresários a arcar com a realidade do mercado. Abandonar a receita pública e a contratação por quilômetro rodado devolverá aos empresários o ônus do prejuízo se eles aumentarem abusivamen­­te as tarifas. É assim que funciona o sistema de transporte coletivo em todas as cidades do país. Por que só aqui os empresários prestam serviços por quilômetros rodados? Parece que isso lhes dá uma situação de tranquilidade financeira, pois não têm de arcar com o desgaste de aumentar constantemente as tarifas. Não há mais como sustentar essa proteção do poder público municipal aos empresários do transporte coletivo de Curitiba, à custa do abandono de milhares de usuários de ônibus.


Lafaiete Neves, doutor em Economia, é professor aposentado da UFPR e professor do Programa de Mestrado em Organizações de Desenvolvimento da FAE Centro Universitário.

Fonte: http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/opiniao/conteudo.phtml?id=907286&ch=

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