sexta-feira, março 24, 2006

A Guerra da Tarifa

Dia 28 de Junho


Dia 22 o Conselho Municipal votou o aumento de 15,6% das tarifas de ônibus, que passariam a ser as mais caras do Brasil, e num sistema terrivelmente ruim. A Campanha pelo Passe Livre convocou uma grande manifestação contra o aumento para o dia 28 de junho, segunda-feira, um dia após a entrada em vigor das novas tarifas. O ato deveria ocorrer durante todo o dia, culminando às 17h em frente ao terminal do centro (TICEN).


A avenida Paulo Fontes, em frente ao TICEN, foi fechada pelos manifestantes nos dois sentidos. O terminal de canasvieiras (TICAN) foi fechado durante toda a manhã pela comunidade local, com a polícia chegando a intervir em favor dos manifestantes e contra os seguranças privados do terminal que investiam contra esses. Provavelmente outros terminais também foram fechados nesse dia pelas comunidades locais, mas isso já se perde da minha memória. De qualquer forma, basta pesquisar em www.midiaindependente.org . A comunidade do norte da ilha demonstrou ser a mais combativa, talvez por ser a mais prejudicada, tendo que pagar tarifa de 3,00 reais para qualquer locomoção. O fechamento do TICAN, ou a tentativa de fecha-lo, foi uma constante em todos os dias de manifestações. A polícia chegaria a instaurar toque de recolher em Canasvieiras.


O fechamento da avenida Paulo Fontes se tornaria rotina também. Os outros terminais também seriam fechados por manifestantes nos dias subseqüentes por períodos diferentes e com maior ou menor freqüência. A avenida Mauro Ramos também foi fechada em alguns dias.


Em frente ao TICEN a grande maioria era estudante, principalmente secundarista de escolas públicas. Naquela segunda-feira eu estava me sentindo quase um pai ali no meio. Esse perfil fez a mídia, não sem alguma razão, associar o movimento a estudantes. Eles realmente foram parte fundamental do movimento, sua linha de frente, principalmente nas manifestações que ocorreram no centro da cidade. E tratava-se sobretudo de estudantes secundaristas. Os universitários, com todo seu discurso empolado e sua aura histórica de contestação, em certo sentido foram meros coadjuvantes em relação aos mais novos.


Naquele dia, a frente do TICEN parecia um grande espaço de socialização da juventude, num clima sereno.


Por volta das 17:30h os manifestantes, algumas centenas, se dirigiram à ponte Colombo Sales, que liga a ilha ao continente. A polícia acompanhou, não quis deixar que ocupássemos todas as pistas da ponte. Mas por fim conseguimos, sem que a polícia reagisse com violência. E ficamos ocupando a ponte por volta de meia hora. O tráfego ilha-continente foi desviado para duas pistas da ponte Pedro Ivo. Para quem não conhece a cidade, as pontes que ligam a ilha ao continente são tão ou mais estratégicas a Florianópolis quanto as marginais a São Paulo.
À noite os manifestantes que se encontravam em frente ao TICEN se dirigiram à câmara de vereadores, e acabaram a invadindo, em meio a uma sessão que acabou sendo suspensa. Além da questão do transporte coletivo, os manifestantes pressionaram os vereadores sobre o aumento de salário de 150% que eles haviam concedido a eles mesmos e de 275% à prefeita. Depois de alguma negociação os manifestantes se retiraram da câmara com a garantia de que os vereadores sairiam também à rua para conversar com a população. Mas apenas cinco deles tiveram a coragem.


No dia seguinte eles fizeram um abaixo-assinado pedindo que a prefeita não sancionasse o projeto de aumento de salário que eles mesmos haviam aprovado, e o criador do projeto disse à imprensa que não sabia onde estava com a cabeça quando havia pensado em tal aumento. O bafo do povo na nuca dos vereadores teve efeito imediato. O aumento foi então indeferido. Nada como uma boa e contundente ação direta de massa para pôr cabeças no lugar.
Na rua, com a presença dos vereadores que saíram da câmara, ficou agendada uma reunião para quarta-feira, às 15h, no Núcleo de Transportes, com mediação da câmara de vereadores, entre os manifestantes e o Núcleo para se tentar resolver o impasse das tarifas.


Terça-feira, dia 29 de junho, as manifestações tiveram continuidade. Nesse dia um grupo de manifestantes invadiu a prefeitura, sendo retirado à força pela polícia. De madrugada três ônibus foram incendiados na Caieira do Sul. Pela distante localização suspeita-se que tenha sido a mando da própria empresa Insular, para tentar “incriminar” o movimento. De qualquer forma, teria sido a maneira mais idiota e ineficiente de enfraquecer o movimento – provavelmente o ocorrido teve o efeito contrário.


Para a prefeitura (PP) e para a mídia, a polícia estava muito “boazinha” com os manifestantes. O diretor do Núcleo de Transporte chegou a declarar que colocaria o exército na rua (sic). É o hábito da ditadura.


Além da concentração em frente ao TICEN e a ocupação da Avenida Paulo Fontes, as próprias saídas e entradas do TICEN eram com freqüência obstruídas durante os dias de manifestação, fazendo com que as empresas tivessem que improvisar locais de embarque e desembarque fora dos terminais. O sistema de transporte coletivo estava caótico, e perdendo usuários.

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