terça-feira, setembro 06, 2011

As Entranhas polítiqueiras do transporte coletivo em Curitiba - 1

”... Por fora a bela viola. Por dentro o pão bolorento...”.


"A população de Curitiba vive uma profunda expoliação por diversos ângulos do poder político e econômico. Poucas vezes na história desta cidade se organizou popularmente contra as elites políticas e economicas. Nunca antes a política foi tão independente – com base na ações deslavadas das últimas três décadas a cerca do nepotismo e favorecimentos. Na verdade é isso que queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes estivemos tão próximos de ameaçá-los!"

Curitiba tem a aura de ser a cidade modelo onde o capitalismo deu certo. E muito disso ligado à estética pós-moderna de suas construções revitalizadas, bairros modernos, centro plano, belos parques, praças e enormes avenidas com arquitetura que lembram uma maquete; linhas de ônibus diferenciadas por cores, uniformes para os trabalhadores da urbanização nas ruas¹. Tudo bem dividido, em zonas funcionais². Por fora, parece estar tudo bem.

Mas se olharmos com cuidado, toda essa estrutura belíssima aos olhos (principalmente daquelas pessoas que não habitam a cidade, mas que estão a quilômetros dela), esconde uma realidade perversa recheada de brutais desocupações com direito a tropa de choque e todo o arsenal do Estado – batalhões, cavalaria, canil, tratores, helicópteros - desde a concepção do plano Agache³ até os dias atuais, (vide desocupação Vila Alta Floresta em 2009, no bairro Fazendinha) - com políticas de favorecimento a uma próspera classe específica 4. Nada mudou nesse aspecto.

Dentro dessa situação, com algumas adequações no plano diretor durante os anos e as diferentes gestões, o transporte coletivo de Curitiba ainda tem uma função importante para vida política da cidade. São poucos os lugares no Brasil onde se conseguiu isolar o trabalhador da cidade que ele mesmo constrói 5. Esse fato se dá através de desapropriações com álibi técnico, de execução pura e simplesmente do plano diretor, afim de preservar o meio ambiente com criação de parques temáticos, desafogar o tráfego central, priorizar infra-estruturas como saneamento básico e abastecimento de água bem como canalizações de rios para um bem “comum”, enfim, modernizar a cidade para evitar “problemas resultantes da irracionalidade do uso do solo. Por irracionalidade entenda-se o crescimento desmedido das favelas” 6.

Em Curitiba, a esmagadora maioria trabalha muito longe donde reside. Isso só é possível porque se tem a garantia de um transporte coletivo exclusivo para a classe trabalhadora. Um transporte que não traz benefícios pro trabalhador, mas que cumpre a função do isolamento espacial urbano e corrida pela especulação imobiliária nas áreas altas e secas da cidade. Criam-se as cidades dormitórios em regiões de várzeas na região metropolitana.

Sabe-se que a grande parte dos políticos eleitos prefeito, governador, deputado, vereador, se elegeram com a pauta do transporte coletivo na cidade. Fato muito bem elucidado no livro de autoria do Professor Lafaiete Neves, Movimento Popular e Transporte Coletivo em Curitiba.

Os políticos - que não por coincidência, são os proprietários das principais empresas da cidade inclusive empresas de ônibus, acionistas da Urbs, a qual presta gestão do transporte coletivo - se utilizam da máquina do Estado para manipular a população - vide a luta contra o reajuste da tarifa do ônibus em 2011 e implementação do novo “ônibus azul” repassado pela prefeitura como um “ganho” para o usuário - e perpetuam-se infinitamente dentro do poder. As famílias Gulin, Bertoldi e Curi que estão intestinalmente ligadas ao quadro político da cidade detêm grande parte dessas empresas.

Providencialmente citamos como alguns exemplos: Donato Gulin empresário dos ramos de transporte coletivo e construção civil, já ocupou a cadeira de prefeito interino de Curitiba nos anos 1980. Osmar Bertoldi, hoje deputado afastado da assembléia para ocupar a Cohapar ligado ao ramo de empreendimentos imobiliários cujo irmão Orlando Bertoldi é ligado ao ramo do transporte coletivo. Família Curi, ligada a construção civil e dona da corretora Pegnet, também tem Alexandre Curi como deputado. Essas são algumas rápidas amostras que temos.

Através do nepotismo, repassam, como um estágio remunerado, cargos de confiança aos seus parentes e correligionários que respondem às vontades dessa oligarquia, há mais de 300 anos. Os mais recentes casos são do Governador (PSDB) que empregou toda sua família na máquina do Estado e de seu correligionário, deputado que em meados de dos anos 2000, empregou seus três filhos como acessores, com salários mais altos do que os próprios deputados à época7.

Nos últimos cinco anos, tem havido denúncias subseqüentes de corrupção dentro da câmara dos vereadores, assembléia dos deputados envolvendo milhares de reais advindo dos contribuintes. Mesmo com a soma de todas essas quantias não se chega próximo do valor licitado em 2010 para o transporte coletivo de R$ 15 bilhões. Valor repartido entre apenas três grupos empresariais ligados àquelas três famílias citadas acima.

O transporte coletivo em Curitiba, entre os anos de 2009 e 2010, assassinou mais que qualquer surto endêmico ocorrido no Paraná e homicídios na capital e grande Curitiba. Uma das causas é a nova lei do transporte coletivo que, através do edital de licitação de 2010, previu um aumento médio da velocidade dos ônibus em detrimento do aumento da frota. Foi preciso que a população pagasse com a vida para que o governo notasse que tal lei desembocaria em um latrocínio institucionalizado oficializado. Afinal, rouba-se R$ 5,00 da tarifa, ida e volta, e mata-se intencionalmente.

Criou-se, através dos vereadores e prefeitura no ano de 2011, um seguro para o usuário do ônibus, chamado segbus (www.osegbus.com.br), sabendo, então, que acidentes haveriam, como resultado dessa política que favorece os lucros dos empresários. Os recursos públicos foram repassados aos empresários ao invés de incrementar a frota. Fomentou-se a criação de um seguro gerido por uma empresa privada ligada à mesma lógica nepotista.

As questões políticas colocadas pela população e movimentos sociais ligados à causa da mobilidade urbana, absolutamente são respondidas com variantes técnicas o que por um momento preenche o vazio trazido pelos questionamentos, mas, que na prática servem de engodo à população. Mentiras em cima de mentiras dadas aos usuários há muitos anos tem-se materializado na precariedade do transporte coletivo. Transporte com “cara” de bonito, mas, com funcionalidade provisória, pobre e insuficiente às demandas urgidas pela grande Curitiba. Dados apontam uma defasagem de mais de 50 anos no sistema.

Prova concreta dessa discrepância são os inúmeros acidentes fatais subseqüentes ocorridos à exaustão, ignorados pelo atual prefeito e pela empresa de gestão do transporte coletivo em Curitiba. Dados do BPTran indicam um aumento, entre 2009 e 2010, de aproximadamente 5% nos acidentes com ônibus. Só em 2011 já somam mais de 700 acidentes, muitos deles fatais. O que um dia foi concebido modelo alternativo, pro mundo, de mobilidade urbana em deslocamento de massa, se revela um sistema ignorante, arriscado, excludente e ineficaz à população, que garante altos lucros aos empresários. Modelo de perversidade revestido pela máscara da modernidade tecnológica, fruto da gestão técnica de urbanistas e arquitetos desprovidos de interesses políticos – assim insistem em tentar nos convencer.

A administração do transporte coletivo ligada à Urbs, “um seleto grupo político e empresarial divide com a prefeitura o controle acionário da Urbanização de Curitiba S/A” 8, - empresa de capital misto - é presidida por um de seus sócios acionista, que legalmente deveria existir impedimento.

A maioria dos acionistas da empresa são políticos com ligações íntimas com donos de empresas que atuam na

exploração do transporte coletivo em Curitiba. Alguns fazem parte da chamada “bancada do transporte” dentro da câmara dos vereadores outros são ex-ocupantes de cargos públicos e ainda quatro instituições formam a estrutura dos quadros da Urbs. O município detém 99,9% das ações, mas o 0,1% restante basta para dar poder de decisão a 13 pessoas 9.


A Urbs movimenta cerca de R$ 910 milhões porano e há pelo menos uma década a população e movimentos sociais vêm chamando-a de “caixa-preta” 10.




NOTAS:

1. Oliveira, D. Curitiba e o mito da cidade modelo. 2000. p. 59. APUD. Harvey, D. A condição pós-moderna, nos elucida: “Enquanto os modernistas vêem o espaço como algo a ser moldado para propósitos sociais e, portanto, sempre subserviente à construção de um projeto social, os pós-modernistas o vêem como coisa independente e autônoma a ser moldada segundo objetivos e princípios estéticos que não tem necessariamente nenhuma relação com algum objetivo social abrangente, salvo, talvez, a consecução da intemporalidade e da beleza “desinteressada” como fins em si mesmas”.

2. Oliveira, D. Curitiba e o mito da cidade modelo. 2000. p. 74. “Agache dividiu a cidade em zonas funcionais: um centro comercial (o centro tradicional), um centro administrativo (centro cívico), uma cidade universitária (centro politécnico), um setor militar (base aérea do Bacacheri e outras instalações do exército), um centro industrial (Capanema e Rebouças) e um centro de abastecimento (Mercado Municipal)”.

3. Prefeitura Municipal de Curitiba. Boletim n.1: O plano Agache. v.1, 1943: “ O plano Agache foi a primeira tentativa de ordenação de Curitiba vista como um conjunto. O interventor gaúcho Manoel Ribas contratou a empresa goiana, Coimbra Bueno & Cia. LTDA que encarregou o urbanista francês, Donat-Alfred Agache, para a elaboração do Plano Diretor de Curitiba em 23 de Outubro de 1942.”

4. Oliveira, D. Curitiba e o mito da cidade modelo. 2000. p. 111. “O ideal é que essa identificação do plano com a realização dos interesses do capital privado assuma a forma de objetivo socialmente benéfico para todos. Se isso não for possível, o plano deve, no mínimo, não se constituir em ameaça – direta ou indireta, explícita ou velada – àqueles interesses. Se o contrário ocorrer, então será sempre grande chance de o plano vir a ser obstacularizado pela ação (ou inação) dos empresários.”

5. Neves, L. Movimento Popular e Transporte Coletivo em Curitiba. 2006. p. 102. “Este plano (Plano Diretor 1966) priorizava o crescimento populacional linear e não circular, como o Agache. Foi detectado um grande crescimento da linha Norte-Sul(...). Jorge Wilheim, com base nessa observação, pensou um sistema em que o transporte coletivo fosse orientador do crescimento, concentrasse a população onde houvesse também o sistema de transporte, evitando que a população se disseminasse para todos os pontos da cidade.”

6. Oliveira, D. Curitiba e o mito da cidade modelo. 2000. p. 65.

7. Blog Olho Berto Paraná - http://olhoabertopr.blogspot.com/2011/08/deputado-ademar-traiano-e-pratica-de.html;

8. Jornal Gazeta do Povo – 3/4/11.

9. Jornal Gazeta do Povo - www.gazetadopovo.com.br/midia/info_vc0204%21.jpg

10. Dieese – www.dieese.org.br

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa sequência de matérias tá muito boa.
O blog tem estado bastante vivo e isso atrai o pessoal.
Abração,
gbk